quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Quem nunca foi uma mulher-ópera?!


Mulheres-ópera

 (por Fabrício Carpinejar*)

(...)
Uma piranha, uma traíra e uma vadia são expressões mais usadas pelas mulheres. Gostam de ofender, numa separação. Tanto faz que seja o namoro das outras.
O amor é o estádio de futebol feminino. A boca suja.
Estarão cegamente do lado das amigas. Não com elas, mas como elas.
Iguais na pele e no osso.
Torcem, vibram até com a cobrança de lateral.
Assumem para si as cafajestadas, as traições, os foras. Não têm distanciamento.
Choram ao telefone, engolem soluços. Guardam a vingança do recalque. Veículo da catarse das figuras que não se expressam no percurso familiar, tolhidas pela rigidez dos costumes. A bisavó que não xingava nada em seu tempo toma o corpo delas e tira o atrasado.
Toda amiga de uma amiga em apuros é uma mulher-ópera. Diva da dor. Mais canto do que enredo. Acompanha capítulo por capítulo da novela, de preferência com descrição bem longa e detalhada.
Uma colega telefona e confidencia que sua paixão a traiu; ela nem escuta o final da história para arrematar que é insuportável viver assim, que o tipo é um pilantra, que ela deve pular fora. Não deixa quem sofre completar o raciocínio e expor o que pensa.
Desossa o vivente de cima a baixo, como funcionária da Receita Federal. Sem perdão. Sem indulto. Malha fina no ato.
Esse sujeito torna-se persona non grata para todo o círculo de confidentes que ele não conhece. Terá uma espiã em seu encalço em cada bairro de sua cidade. Não vai relaxar mais para tomar um café num posto de gasolina 24 horas.
Assim como elas enforcam, transformam a corda em nó de gravata de casamento.
Na manhã seguinte, o cara prepara algo formidável, manda um buquê de orquídeas, desafia seus antecedentes, promete arrependimento e fidelidade. Muda de reputação na hora:
- Eu sempre acreditei nele, eu avisei que daria certo. Ahhh... Como você merece ser feliz. Mais do que qualquer uma de nós.





*Fabrício Carpinejar - já falamos dele aqui, e você pode conhecer mais desse escritor fantástico em seu site ou blog.


Beijos!

sábado, 15 de outubro de 2011

Feliz dia dos professores!!!

“Feliz aquele que transfere o que sabe e aprende o que ensina”
(Cora Coralina)

(imagem daqui)

“Ensinar é um exercício de imortalidade.
De alguma forma naqueles cujos olhos aprenderam
a ver o mundo pela magia da nossa palavra.
O professor, assim, não morre jamais.”
(Rubem Alves)


Uma homenagem mais que merecida a todos os professores!

Beijos!

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Poesia em homenagem às crianças


O Pato

(Vinícius de Moraes)

Lá vem o Pato

Pata aqui, pata acolá

La vem o Pato

Para ver o que é que há.

O Pato pateta

Pintou o caneco

Surrou a galinha

Bateu no marreco

Pulou do poleiro

No pé do cavalo

Levou um coice

Criou um galo

Comeu um pedaço

De jenipapo

Ficou engasgado

Com dor no papo

Caiu no poço

Quebrou a tigela

Tantas fez o moço

Que foi pra panela.

(imagem tirada daqui)


Feliz dia das crianças!!!
Beijos!

domingo, 9 de outubro de 2011

Tic, tac, tic, tac


O Relógio

Passa, tempo, tic-tac 

Tic-tac, passa, hora 
Chega logo, tic-tac 
Tic-tac, e vai-te embora 
Passa, tempo 
Bem depressa 
Não atrasa 
Não demora 
Que já estou 
Muito cansado
Já perdi 
Toda a alegria 
De fazer 
Meu tic-tac 
Dia e noite 
Noite e dia 
Tic-tac 
Tic-tac 

Dia e noite 

Noite e dia
(Vinícius de Moraes*)

(imagem tirada daqui)



*Vinícius de Moraes - (1913/1980) foi diplomata, dramaturgo, jornalista, poeta (que poeta!) e compositor (que compositor!).


Beijos!

domingo, 2 de outubro de 2011

A moça tecelã



(imagem daqui)

A Moça Tecelã

Por Marina Colasanti*





Acordava ainda no escuro, como se ouvisse o sol chegando atrás das beiradas da noite. E logo sentava-se ao tear.


Depois lãs mais vivas, quentes lãs iam tecendo hora a hora, em longo tapete que nunca acabava.


Linha clara, para começar o dia. Delicado traço cor da luz, que ela ia passando entre os fios estendidos, enquanto lá fora a claridade da manhã desenhava o horizonte.


Se era forte demais o sol, e no jardim pendiam as pétalas, a moça colocava na lançadeira grossos fios cinzentos  do algodão  mais felpudo. Em breve, na penumbra trazida pelas nuvens, escolhia um fio de prata, que em pontos longos rebordava sobre o tecido. Leve, a chuva vinha cumprimentá-la à janela.

Mas se durante muitos dias o vento e o frio brigavam com as folhas e espantavam os pássaros, bastava a moça tecer com seus belos fios dourados, para que o sol voltasse a acalmar a natureza.

Assim, jogando a lançadeira de um lado para outro e batendo os grandes pentes do tear para frente e para trás, a moça passava os seus dias.

Nada lhe faltava. Na hora da fome tecia um lindo peixe, com cuidado de escamas. E eis que o peixe estava na mesa, pronto para ser comido. Se sede vinha, suave era a lã cor de leite que entremeava o tapete. E à noite, depois de lançar seu fio de escuridão, dormia tranqüila.

Tecer era tudo o que fazia. Tecer era tudo o que queria fazer.

Mas tecendo e tecendo, ela própria trouxe o tempo em que se sentiu sozinha, e pela primeira vez pensou em como seria bom ter um marido ao lado.

Não esperou o dia seguinte. Com capricho de quem tenta uma coisa nunca conhecida, começou a entremear no tapete as lãs e as cores que lhe dariam companhia. E aos poucos seu desejo foi aparecendo, chapéu emplumado, rosto barbado, corpo aprumado, sapato engraxado. Estava justamente acabando de entremear o último fio da ponto dos sapatos, quando bateram à porta.

Nem precisou abrir. O moço meteu a mão na maçaneta, tirou o chapéu de pluma, e foi entrando em sua vida.

Aquela noite, deitada no ombro dele, a moça pensou nos lindos filhos que teceria para aumentar ainda mais a sua felicidade.

E feliz foi, durante algum tempo. Mas se o homem tinha pensado em filhos, logo os esqueceu. Porque tinha descoberto o poder do tear, em nada mais pensou a não ser nas coisas todas que ele poderia lhe dar.

— Uma casa melhor é necessária — disse para a mulher. E parecia justo, agora que eram dois. Exigiu que escolhesse as mais belas lãs cor de tijolo, fios verdes para os batentes, e pressa para a casa acontecer.
Mas pronta a casa, já não lhe pareceu suficiente.

— Para que ter casa, se podemos ter palácio? — perguntou. Sem querer resposta imediatamente ordenou que fosse de pedra com arremates em prata.

Sem querer resposta Dias e dias, semanas e meses trabalhou a moça tecendo tetos e portas, e pátios e escadas, e salas e poços. A neve caía lá fora, e ela não tinha tempo para chamar o sol. A noite chegava, e ela não tinha tempo para arrematar o dia. Tecia e entristecia, enquanto sem parar batiam os pentes acompanhando o ritmo da lançadeira.

Afinal o palácio ficou pronto. E entre tantos cômodos, o marido escolheu para ela e seu tear o mais alto quarto da mais alta torre.

— É para que ninguém saiba do tapete — ele disse. E antes de trancar a porta à chave, advertiu: — Faltam as estrebarias. E não se esqueça dos cavalos!

Sem descanso tecia a mulher os caprichos do marido, enchendo o palácio de luxos, os cofres de moedas, as salas de criados. Tecer era tudo o que fazia. Tecer era tudo o que queria fazer.

E tecendo, ela própria trouxe o tempo em que sua tristeza lhe pareceu maior que o palácio com todos os seus tesouros. E pela primeira vez pensou em como seria bom estar sozinha de novo.

Só esperou anoitecer. Levantou-se enquanto o marido dormia sonhando com novas exigências. E descalça, para não fazer barulho, subiu a longa escada da torre, sentou-se ao tear.

Desta vez não precisou escolher linha nenhuma. Segurou a lançadeira ao contrário, e jogando-a veloz de um lado para o outro, começou a desfazer seu tecido. Desteceu os cavalos, as carruagens, as estrebarias, os jardins.  Depois desteceu os criados e o palácio e todas as maravilhas que continha. E novamente se viu na sua casa pequena e sorriu para o jardim além da janela.

A noite acabava quando o marido estranhando a cama dura, acordou, e, espantado, olhou em volta. Não teve tempo de se levantar. Ela já desfazia o desenho escuro dos sapatos, e ele viu seus pés desaparecendo, sumindo as pernas. Rápido, o nada subiu-lhe pelo corpo, tomou o peito aprumado, o emplumado chapéu.

Então, como se ouvisse a chegada do sol, a moça escolheu uma linha clara. E foi passando-a devagar entre os fios, delicado traço de luz, que a manhã repetiu na linha do horizonte.

*Marina Colasanti
 (1938) nasceu em Asmara, Etiópia, morou 11 anos na Itália e desde então vive no Brasil. Publicou vários livros de contos, crônicas, poemas e histórias infantis.

Texto e informações sobre a escritora extraídos do site www.releituras.com



Beijos!
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